Responsabilidade civil nas relações de consumo: por vício e por fato

Publicado em Por: Azevedo Sette & Drummond

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A responsabilidade civil, como cediço, ganhou e vem ganhando cada vez mais relevância no direito contemporâneo e, tendo em vista o crescente acesso aos bens de consumo, a responsabilidade civil decorrente das relações de consumo assumiu extrema e relevante importância na sociedade hodierna e na prática forense.

Isso porque, antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor, parte hipossuficiente na relação de consumo, não possuía alicerce legal e jurídico para defender suas pretensões face à grandes empresas em demandas que versavam quanto à responsabilidade civil nas relações de consumo e acabavam ficando prejudicados, tendo seu direito constitucional de acesso à justiça violado.

Ademais, tornou-se e ainda o é, em alguns casos, lucrativo para as grandes empresas fornecedoras violar a legislação pátria nas relações de consumo, vinculando contratos abusivos, valendo-se da hipossuficiência do consumidor que, muitas das vezes, é compelido a assinar contratos de adesão escritos e preparados pelas empresas fornecedoras, sem a oportunidade e conhecimento para compreender às cláusulas inseridas, que, muitas das vezes, são abusivas e violam seus direitos, causando-lhe vários danos a atrair a necessidade de tutela jurisdicional.

Fez-se necessário, nesse contexto, que a responsabilidade civil nas relações de consumo se adequasse à realidade vivida pelas partes que dialeticamente atuam nessa relação, passando a voltar seus olhos para a vítima a fim de trazer equilíbrio e igualdade a natural desigualdade inerente à relação entre consumidor e fornecedor, regulada pelo CDC justamente para esse fim.

Da responsabilidade civil por fato do produto ou do serviço

A teoria da qualidade passou a ser adotada, dessa forma, como fundamento da responsabilidade civil nas relações de consumo, considerando que o CDC, ao dividir o dever de responsabilidade do fornecedor em duas órbitas distintas (fato do produto ou vício), atribuiu-lhe o dever de qualidade dos produtos oferecidos e comercializados no mercado, a fim de que, com intuito de obter lucro às custas de seu natural poderio frente ao consumidor, dele não se valesse para obter vantagem ilícita.

Isto é, o dever de qualidade, por tal teoria, subdivide-se no dever de segurança – responsabilidade por fato ou acidente de consumo – e no dever de qualidade e adequação – responsabilidades pelos vícios do produto ou serviço – ambos regulados, respectivamente, pelos artigos 12 a 17 e 18 ao 24 do Código de Defesa do Consumidor.

A responsabilidade por fato do produto ou serviço consiste na violação do dever de segurança causando acidentes de consumo, atraindo a responsabilidade do fornecedor pelos danos provocados pelo produto e serviço comercializados com inobservância ao dever de qualidade, extrapolando o próprio valor desses.

Verifica-se, pois, que segundo dispõe o §1° do art.12 do CDC, o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimidade se espera, sendo objetivamente e solidariamente responsáveis os fornecedores mencionados no referido artigo, isto é, sem a verificação de culpa, bastando a ocorrência de dano e a presença de nexo de causalidade, excetuando-se apenas os profissionais liberais, que segundo o §4° do art.14 do referido diploma legal, respondem mediante a verificação de culpa.

É, por exemplo, o que ocorre com a responsabilidade de shoppings e outros estabelecimentos que contam com estacionamento para clientes na ocorrência de furto e dano nos veículos, sendo pacífica a jurisprudência no sentido de existir, para o fornecedor, o dever de cuidado, segurança e vigilância, consoante o enunciado de súmula n° 130 do STJ, que dispõe: “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.

Da mesma forma é também a responsabilidade civil das instituições financeiras por fraudes e delitos praticados por terceiros, não cabendo a alegação de caso fortuito ou força maior, pois o dever de segurança é inerente à atividade prestada, configurando fortuito interno (súmula 479 do STJ).

Sendo assim, sempre que se vislumbra violação ao dever de segurança, qualidade, do produto ou serviço, verifica-se a responsabilidade civil do fornecedor por dano que transcende ao valor do produto, como ocorre nos casos de defeito em veículos que venham a causar acidentes com os consumidores, alimentos impróprios ao consumo que prejudiquem a saúde do consumidor etc, tudo a atrair a responsabilidade do fornecedor por fato do produto, nos termos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

Da responsabilidade por vício do produto ou serviço

A responsabilidade por vício do produto ou serviço, por sua vez, refere-se ao seu adequado funcionamento ou a sua adequação aos fins aos quais se destinam.

Tal responsabilidade é regulada pelos artigos 18 e seguintes do CDC, que enumera quatro modalidades de vícios: a) aqueles que tornam o produto impróprio ao consumo; b) aqueles que tornam o produto inadequado ao consumo; c) aqueles que lhe diminuam o valor e d) aqueles em desconformidade com o que foi informado sobre eles.

Dessa forma, verifica-se que, em regra, o fornecedor tem até 30 dias para sanar o vício do produto, excetuando-se as hipóteses do parágrafo 3º do art. 18, quando “em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial”.

Verifica-se, nesse contexto, ao contrário do que normalmente o consumidor acredita, o vício não lhe dará o direito à substituição imediata do produto. Nos termos da parte final do caput e o parágrafo primeiro do referido art.18, o fornecedor tem o direito de sanar os vícios, substituindo as partes viciadas, no prazo de até 30 dias. Não sendo o vício sanado, poderá o consumidor fazer uso das alternativas do parágrafo 1º, a saber: “ I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço”.

Sendo assim, verifica-se que, na ocorrência de vício do produto nos termos do art.18 do CDC, caso possível a substituição das partes viciadas, possui o fornecedor o prazo de 30 dias para saná-lo, findo do qual, o consumidor pode se valer das alternativas do §1° do art.18 em comento, sem prejuízo da responsabilidade por reparação por eventuais danos gerados pelo referido vício.

Considerações finais

Dessa breve análise, nota-se que o Código de Defesa do Consumidor, ao disciplinar a responsabilidade civil nas relações de consumo, tutela o direito do consumidor tendo em vista a desigualdade técnico econômica entre os sujeitos dessa relação, fazendo-se necessário a adoção de um sistema de responsabilidade visando a tutela da vítima, adotando-se a teoria da qualidade no sentido de atribuir ao fornecedor um dever de qualidade a fim de resguardar o consumidor nas relações de consumo e desestimular a conduta dos fornecedores de obter vantagem ilícita mediante a violação das normas consumeristas, valendo-se de seu poderio econômico frente ao consumidor hipossuficiente.

Autora: Isabel Diniz – Advogada